Imprevisto estoico
"(...)Permaneceu imóvel um bom tempo, perguntando-se assombrado como tinha feito para chegar até aquele abismo de desamparo, quando uma mão com todos os dedos esticados, que tateava nas trevas, tropeçou com seu rosto. Não se surpreendeu, porque sem saber havia esperado por aquilo. Então confiou-se àquela mão, e num terrível estado de exaustão deixou-se levar até um lugar sem formas onde tiraram sua roupa e o sacudiram como se fosse um saco de batatas e foi virado pelo avesso e o endireitaram de novo, numa escuridão insondável onde seus braços sobravam, onde já não cheirava a pele, mas a amoníaco,
Confusamente consciente de que estava fazendo uma coisa que há muito tempo desejava que fosse possível fazer, e estava fazendo sem saber como, porque não sabia onde estavam os pés e onde estava a cabeça, nem os pés de quem nem a cabeça de quem, e sentindo que não conseguia mais aguentar o rumor glacial de seus rins e o ar de suas tripas, e o medo, e a ânsia atordoada de fugir dali e ao mesmo tempo ficar para sempre naquele silêncio exasperado e naquela solidão espantosa.
E assim esperava, para dali a três dias, três meses ou três anos. Na espera havia perdido a força das coxas, a dureza dos seios, o hábito da ternura, mas conservava intacta a loucura do coração(...)"
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