A REALIZAÇÃO É UMA FARSA

Há algum tempo atrás, não muito tempo, agitado pelo carnaval e pelas coisas novas da vida, escrevi as seguintes linhas: 

De alguma maneira, vocês cresceram pra que se tornassem todos apenas um. com apenas um coração frio e de rotação acelerada. como as pistas duplas que cortam seus caminhos. Talvez sejam todos apenas meninos assustados que não têm tempo para viver o susto.

Era um texto inteiro sobre um transa de carnaval, mas existencialista e totalmente juvenil. Na época, considerava todos por aqui frios e agitados. Quase sempre em terapias intermináveis e atrasados pro trabalho, sem ter dinheiro pro fim de semana e combinando rolês no plano central da cidade mesmo assim. Ao mesmo tempo que minha autossuficiência e audácia juvenil julgava atos alheios, conseguia observar um padrão que viria a se repetir em mim. Hoje sou o menino assustado, sem tempo pro susto, pro rolê, pro plano, pra vida. Meu coração, em contrapartida, nada acelerado. Há tempos, obscuro e cheio de incertezas. A terapia? Não conheço, nunca ouvi falar. 

Me prometeram uma certa realização por aqui: pessoal, profissional, afetiva. De certa forma, eu mesmo me prometi tudo isso e de alguma maneira, conquistei algumas, mas tem sempre essa parte que grita incessantemente aqui dentro: ACORDA PORRA! Li sobre nunca existir um "eu" absoluto, mas me lembro de uma versão de mim mesmo que me agradava muito mais, que gritava na hora certa, que tinha resposta pra tudo (mesmo que as erradas), que era agitado, menos assustado, mais criativo, assertivo, e com absoluta certeza, com o coração quente. É sempre sobre estar ficando velho? Já não me contento mais com essa constatação. Acho que to errando em muita coisa, deixando de ser e permanacer sendo muito. Talvez esse "eu" ainda exista e esteja extramamente frustrado com minha falta de agilidade, certeza, presteza, autocuidado, amor, inteligência (qualquer uma que você queira nomear). 

Escrevo isso no interior de uma sala criativa, de um museu de arte, aonde sempre quis estar, aonde sempre sonhei em pertencer. Rodeado de pincéis de todos os tipos e tamanhos, tintas, papéis da melhor qualidade, quadros, cadeiras coloridas, armários imensos cheios de materiais, escadarias e uma exposição de arte contemporânea, e, ainda assim, tá faltando algo. 

Mencionei a terapia. Nunca fui à uma sessão de terapia. Nunca falei sobre o que nunca consegui dizer e realmente não consigo. Não sei o que falta e não sei como falar pra alguém que não sei o que falta. As vezes nem falta. Mas incomoda pensar que tá sempre aqui no fundinho, o pedaço da falta, gritando, ansioso e furioso, incapacitado, revoltado, reprimido, presunçoso, arrogante, incapaz, carente, questionando sempre se é/foi o suficiente, se esquecendo de qualidades, gestos, maneirismos próprios, do que gosta, do que não gosta. 

Não me sinto realizado, e isso é frustrante. Mas também não sei o que ser "realizado".

Só um desabafo.

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